Perdona que no te crea
2 Feb – 9 Mar 2019
Curadoria de Victor Gorgulho
Abertura
2 Feb, 16h–19h
Carpintaria
Rua Jardim Botânico 971,
Rio de Janeiro
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Adriana Varejão | Ana Mazzei | Cia. dos Atores | Cristiano Lenhardt | Daniel Albuquerque | Erika Verzutti | Flávio de Carvalho | Francesco Vezzoli | João Maria Gusmão & Pedro Paiva | João Maria Gusmão | Leda Catunda | Luiz Roque | Marina Rheingantz | Mauro Restiffe | Nuno Ramos | Rodolpho Parigi | Sara Ramo | Surubim Feliciano da Paixão | Teatro Experimental do Negro | Teatro Oficina Uzyna Uzona | Tiago Cadete | Tiago Carneiro da Cunha | Valeska Soares | Vania Toledo | Yuli Yamagata
Perdona que no te crea investiga o cruzamento entre os campos das artes visuais e do teatro, em suas interseções e particularidades, reforçando a vocação da Carpintaria na proposição de diálogos entre artistas, linguagens e disciplinas. O título da exposição inspira-se no bolero Puro Teatro, do compositor porto-riquenho Tite Curet Alonso, composto em 1970.
Como em um cenário, finges sua dor barata, anunciam os primeiros versos da canção, famosa na versão da cantora cubana La Lupe. Logo na entrada, a ideia de espaço expositivo funde-se a uma atmosfera cênica à medida em que produções contemporâneas compartilham o ambiente com registros fotográficos históricos. As colagens em tecido, linha e papel de Sara Ramo operam como cortinas que abrem-se e revelam Marionete (2018) de Marina Rheingantz e Cruzeiro (2018) de Leda Catunda, obras que empregam materialidades quase teatrais, apresentadas ao lado de fotografias de espetáculos como Melodrama (1995) da Cia. dos Atores e Otelo, de Shakespeare, encenada pelo Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, em 1946. Em conversa, travam relações entre aparatos e encenação, materiais e drama, representação e farsa.
Pensar uma dimensão da teatralidade na arte remonta ao Barroco, ainda no século XVI, quando pintura e escultura são tomadas por expressividade e exagero, através do uso de jogos de luz e da reprodução realista de gestos e encenações. Se “o espaço barroco é o da superabundância”, nas palavras do poeta e crítico Severo Sarduy, a Ruína Modernista (2018) de Adriana Varejão bebe desta herança ao realizar uma encenação da carne, dando corpo a uma matéria que não se quer verossímil mas sim teatral. Ao lado da obra, as pinturas de natureza naïf de Surubim Feliciano da Paixão arquitetam uma dinâmica de encenação ao passo em que o pintor autodidata – zelador e cenotécnico do Teatro Oficina, em São Paulo, na década de 80 – documenta sua vivência dos ensaios da peça Mistérios Gozosos, montada em 1984 pela companhia.
Na parede oposta, são apresentadas práticas artísticas que se instauram em território limítrofe entre teatro e arte. Jussaras (2019) de Cristiano Lenhardt são vestimentas que tridimensionalizam o pensamento geométrico desenvolvido pelo artista há cerca de uma década em suas gravuras, funcionando com presença escultórica e também performática, sendo ativada – vestida – ao redor do espaço expositivo. Na mesma parede, estão as máscaras de alumínio de autoria de Flávio de Carvalho, feitas originalmente para O Bailado do Deus Morto, texto de autoria do próprio levado aos palcos em 1933, junto do seu grupo Teatro de Experiência. Carvalho, cuja atuação se deu em diversas esferas da arte, transitou pelos dois campos ao longo de sua trajetória, realizando experiências que turvam fronteiras entre teatralidade e performatividade, como em seus famosos new looks – blusas e saias vestidas em happenings na década de 1950. Ao fundo da sala, Ghosts (2017) de Ana Mazzei reúne um conjunto escultórico de presença teatral, em que cada peça – ou atores – confrontam o espectador frontalmente e duelam pelo ponto de vista. Quem assiste a quem, afinal?
Na sala da frente da Carpintaria, a fisicalidade das formas da pintura Blue Violet Eckout (2019), de Rodolpho Parigi, trava um duelo com a bidimensionalidade ao passo em que parecem querer exceder o plano, transbordá-lo. É o que parece estar em jogo também na engenhosa composição de Chat and Drinks (2018), de Yuli Yamagata, em que a artista costura tecidos como lycra e fibra de silicone, sem deixar de ter como ponto de partida o um pensamento pictórico. Esta espécie de blefe dos materiais também aparece nas pequenas esculturas em cerâmica de Daniel Albuquerque, que levam ao extremo a vontade mimética da forma ao reproduzirem em escala humana trechos de um corpo fragmentado, ausente.
A voz trôpega que paira sobre o ambiente expositivo (cênico?) vem de Carta (2019), obra em que o artista português Tiago Cadete lê a íntegra do relato de Pero Vaz de Caminha quando de sua chegada em terras brasileiras. Velada em um dos armários da Carpintaria, a voz distorce e satiriza o texto do navegador português, que relata com a arrogância eurocêntrica de então o primeiro encontro entre portugueses e indígenas. A eloquência das palavras de Caminha, na voz de Cadete, permite leituras dúbias acerca do contraditório encontro. Perdona que no te crea… me parece que es teatro?