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Iran do Espírito Santo

Janela Reflexiva

7 May – 11 Jun 2022


Abertura

7 May, 14h–18h


Galpão

Rua James Holland 71
São Paulo

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Ensaio crítico por Guilherme Wisnik (PT)

Ensaio crítico por Guilherme Wisnik (EN)

A Fortes D’Aloia & Gabriel tem o prazer de apresentar Janela Reflexiva, exposição individual de Iran do Espírito Santo no galpão, em São Paulo. Seis esculturas de granito em larga escala mimetizam janelas de lugares existentes, apropriadas de museus, casas e igrejas. Os caixilhos são representados por áreas foscas e os vidros por áreas polidas, altamente reflexivas. Espírito Santo suspende a natureza funcional do objeto referente, invertendo sua função primordial. Esse corpo de trabalho situa-se assim entre interior e exterior, imagem e abstração, acesso e isolamento.

 

Janelas Reflexivas

Por Guilherme Wisnik

 

São conhecidas as analogias entre janela e pintura. Como definiu Leon Battista Alberti, no século XV, os quadros, ou as telas, são como janelas abertas para o mundo. Isto é, o espaço criado pela pintura renascentista, por meio do uso da perspectiva, rompia a clausura do espaço raso medieval, fazendo com que a tela funcionasse, quando posta na parede, como uma espécie de janela que vazava a solidez da alvenaria, conduzindo a visão do espectador para a profundidade do espaço externo.

Sabemos o quanto essa concepção da pintura como janela entrou em crise na modernidade, à medida que a tela se tornava um anteparo plano, opaco, e impermeável às tentativas ilusionistas de atravessá-lo visualmente em busca de um espaço profundo. No ponto-limite dessa história, Robert Rauschenberg besuntou sua cama de tinta, colocou-a na posição vertical, e prendeu-a à parede, como uma tela. No “campo ampliado” da arte, na segunda metade do século XX, os limites entre pintura e escultura se tornavam borrados, e seu valor de transparência declinava.

Na instalação Janela Reflexiva, na Fortes D’Aloia & Gabriel, o artista Iran do Espírito Santo ocupa o espaço expositivo com seis esculturas de granito. Cada peça negra reproduz uma janela específica, de algum lugar do mundo, apropriada pelo artista, com suas medidas e proporções respeitadas. Nelas, todas as partes correspondentes aos montantes dos caixilhos das janelas – de madeira ou de ferro – são deixadas opacas e foscas, através de jateamento, enquanto as partes correspondentes aos panos de vidro são polidas, tornando-se reflexivas. Desse modo, as esculturas realizam sugestivas inversões em relação aos seus referentes originais. A primeira, e mais evidente, é a substituição da transparência do vidro pela opacidade do granito, que, em parte polido, ganha uma consistência reflexiva. E a segunda é explicitação do peso dessas peças de pedra, que diferentemente das diáfanas janelas reais – que são abertas no meio ou no alto das paredes, definindo-se como vazios no plano sólido –, pousam pesadas no chão, assumindo sua condição de escultura: elas é que são os objetos sólidos, ao invés de vazios. Aqui, nosso olhar não é atraído pela luz que vem do alto, mas, ao contrário, por peças que puxam toda a luz para elas, e as trazem para o chão.

Apropriadas de museus, casas, lojas e catedrais de São Paulo (capital e interior), da Suíça e da Itália, cada uma das seis janelas é diferente da outra. Dominantemente verticais, algumas são retangulares, outras têm acabamentos curvos na sua parte superior, e uma delas, mais baixa, tem a forma de um semicírculo. Apoiadas diretamente sobre o chão de cimento, elas formam um conjunto sóbrio e monocromático, como se os quadrados negros sobre fundo branco de Maliévitch se tornassem espaço. Significativamente, se Piet Mondrian dizia que suas pinturas tinham que estourar o plano da tela para se tornarem objetos de design, construções arquitetônicas, cidades, mundo real, nessa instalação Iran do Espírito Santo faz o percurso de volta: as janelas do “mundo real” são tragadas para dentro do espaço expositivo como um conjunto de negros sólidos geométricos perfilados. E nenhum espaço profundo e luminoso é criado por meio delas, que, ao contrário, se assemelham a lápides.

Na etimologia da palavra “monumento”, em grego, está a ideia de recordação, que se confunde com mausoléu. Isto é, o monumento é feito para velarmos aqueles que se foram, e que através deles se presentificam diante de nós. Muitos dos trabalhos de Iran do Espírito Santo – tanto escultóricos quanto pictóricos – se relacionam com esse sentido funerário do monumento, apropriando-se de objetos do mundo (em geral de uso cotidiano) e reproduzindo-os de forma velada, cega, escura. Mas se essa operação deve muito à Pop Art (pensemos, por exemplo, nas esculturas de Claes Oldenburg), o tratamento visual dado por Iran é rigorosamente anti-pop, recusando o encanto imagético dos detalhes e das cores em nome de um laconismo sóbrio, frio, claramente minimalista: formas ideais, despojadas de conteúdo.

O artista brasileiro, contudo, não se prende à literalidade minimalista. Por meio da ironia e do mistério, não apenas esvazia os objetos de sentido, mas também reverte a percepção que temos deles, tal como na peça Sem título (Buraco de fechadura, 1999), em que constrói com aço inoxidável a forma vazia de um buraco de fechadura, tornando-a sólida e ambiguamente reflexiva. Já em Déjà vu (2001), trabalho que antecipa muitas das questões dessa instalação apresentada aqui, Iran do Espírito Santo pinta diretamente nas paredes cenas que se parecem com reflexos criados pela entrada de luz por janelas em paredes opostas, com as barras verticais e horizontais dos seus caixilhos bem-marcadas. Essas pinturas veladas, feitas em variações de cinza, que emulam a presença da luz filtrada pelas janelas, dialogam de perto com a máxima de Alberti, introduzindo-lhe, no entanto, uma maior dificuldade: aqui a pintura não emula uma janela, isto é, não se coloca ilusionisticamente como abertura para o mundo. Antes, ela é um reflexo, na parede de dentro de um ambiente, de uma janela que não existe.

Nascido e criado em Mococa, no interior de São Paulo, até o final da adolescência, o artista conta que gostava de frequentar o cemitério da cidade, tanto porque as lápides muito trabalhadas lhe apareciam como sugestivas referências escultóricas, quanto, também, porque o espaço amplo e vazio era sentido como contraponto ao ambiente muitas vezes opressivo e claustrofóbico de cidades interioranas, onde se está permanentemente sob o olhar controlador dos outros. Mas aqui em Janela Reflexiva, que de alguma forma se remete a essas experiências passadas, a claustrofobia retorna através da arte: o nosso olhar não consegue enxergar nada para além desses negros objetos. Tal como espelhos imperfeitos, eles nos devolvem a nossa própria imagem como vulto, embaçada pela turbidez da pedra escura. Tudo retorna para dentro, infinitamente, numa espécie de narcisismo mórbido e desesperador, que não deixa de comentar tanto o confinamento que vivemos quanto o atual estado de desmonte do país, que até uma década atrás parecia abrir-se para fora de forma altiva e orgulhosa.

Que imagem podemos fazer de nós mesmos a essa altura do século? Qual é o espaço que resta para a imaginação em contexto tão opressivo? Que chances temos de escapar desse labirinto fechado, dessa câmara de ecos barulhentos, feita de realidades distorcidas e manipuladas? No silêncio solene da instalação do artista não conseguimos enxergar nada fora desse labirinto, mas encontramos calma para refletir melhor sobre esse estado de confusão. Afinal, o que é que se desenha diante de nós nessa bruma negra? Estaremos sendo observados por sujeitos ocultos, tal como ocorre com o constante sequestro de nossos dados pelos algoritmos? No lusco-fusco da noite, as janelas iluminadas por dentro, normalmente transparentes, se tornam opacas e reflexivas, invertendo a relação de percepção entre observadores e observados. De maneira semelhante, aqui, o mistério reafirma o sentido ambivalente do trabalho artístico. É para fora ou para dentro que devemos olhar?

 

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