Fadiga - 25 x 25 cm

Tragédia!

20 Aug – 15 Oct 2022


Abertura

20 Aug, 14h–18h


Galpão

Rua James Holland 71
São Paulo

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Ensaio crítico por Raphael Fonseca (PT)

Ensaio crítico por Raphael Fonseca (EN)

Adriana Varejão | Anderson Borba | Carla Chaim | Felipe Abdala | Gabriela Mureb | Gilson Plano | Ivens Machado | Lucas Emanuel | Mateus Moreira | Mayana Redin | Renato Pera | Rivane Neuenschwander | Sonia Andrade

Tragédia!
Por Raphael Fonseca

 

“Uma vasta região do território nacional abalada por forte tremor de terra”, diz uma página do jornal O Paiz, publicada em 28 de janeiro de 1922. A chamada prossegue: “O estranho ruído, semelhante à trepidação de um pesadíssimo comboio a passar nas proximidades, teve a duração de alguns segundos”. Enquanto isso, uma manchete do Correio Paulistano gritava em letras garrafais: “Foi sentido nesta capital um sensível terremoto que durou quatro segundos”. Ao folhearmos o periódico encontramos um entusiasmado parágrafo de autoria de um escritor que assinava por Helios: “Um terremoto em S. Paulo! Aí está uma coisa sensacional. Tínhamos tudo: autos, bondes, aeroplanos, adultérios com tiros e outras coisas interessantes e europeias. Faltava-nos, naturalmente, um terremoto”.

 

Na madrugada de 27 de janeiro de 1922, um terremoto fez tremer a cidade de Mogi Guaçu, no estado de São Paulo. Este era, até então, o maior tremor de terra que já havia afetado o território brasileiro, com 5,1 graus na escala Richter. O episódio, supostamente, não contou com fatalidades e o sismo foi sentido num raio de aproximadamente trezentos quilômetros. Como exemplificado acima, os jornais noticiaram a tragédia e comentaram a respeito da queda de uma escultura presente na fachada de uma agência do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo. Aproximadamente duas semanas depois desses acontecimentos, no Teatro Municipal da capital paulistana, foi aberta a Semana de Arte Moderna. Um dos organizadores do evento foi, justamente, Menotti del Picchia, autor da coluna “Chronica Social”, sob o pseudônimo Helios.

E se este terremoto tivesse devastado São Paulo? E se o seu epicentro não houvesse sido a cidade cujo nome significa “grande rio que serpenteia”, mas sim a fatídica Paulicéia Desvairada? E se não houvesse sobrado um fragmento sequer do Teatro Municipal? E se essa turbulência tivesse levado a população a questionar o sentido de celebrar o centenário da Independência do Brasil? Independentes de quem e a custo de quê? Como reler estes fatos às vésperas das ansiadas e temidas celebrações de um bicentenário da Independência a ocorrer a menos de um mês das eleições presidenciais? Qual o grau, na Escala Richter, das ficções em torno dos gritos e sussurros que se sucederam no Riacho do Ipiranga?

“Tragédia!” é uma exposição que joga de forma não-linear com alguns dos elementos que compõem a tessitura desses fatos históricos – um terremoto, São Paulo, a ansiedade pelo modernismo e a tensão em torno das eleições. Em grande parte comissionados para esta mostra, o conjunto de trabalhos aqui reunidos versa sobre um mundo que, quando olhado em detalhe, nos convida a observar suas rachaduras e gozar de seu caráter trágico em tom exclamativo. Esta exposição se interessa pelo diálogo entre diferentes gerações de artistas – é nessa conversa intergeracional que percebemos os ecos que constituem uma certa história recente da arte contemporânea e das artes visuais no Brasil.

Nos trabalhos de Anderson Borba, Carla Chaim, Gilson Plano, Ivens Machado e Mayana Redin, vemos a utilização de materiais como ferro, concreto, madeira, gesso, couro, carbono e minérios. Interessados pela noção de escultura a partir de pontos de partida formais e conceituais diversos, as pesquisas destes artistas estão mais pautadas em sugerir de maneira indicial do que afirmar de forma categórica. De forma semelhante, mas convidando de maneira estésica o corpo do público, Gabriela Mureb e Rivane Neuenschwander apresentam proposições que emanam calor e exalam o cheiro de gasolina. Fragmento e ruína compõem o campo semântico destes artistas.

Enquanto isso, os trabalhos pictóricos de Lucas Emanuel e Mateus Moreira nos convidam a contemplar imagens nas quais o corpo humano é protagonista, mas suas ações estabelecem narrativas com múltiplas camadas de leitura em que a noção de confusão é essencial. O caráter desorientador das fendas interessa a Adriana Varejão e a Felipe Abdala. Seja pelas relações históricas entre pintura, superfície e a noção de corte, seja pela articulação entre desenho, fisicalidade e repetição, ambos os artistas propõem pequenos labirintos para que o público se perca. No campo do som, de tempos em tempos, ouvimos a voz da artista Sonia Andrade repetindo a frase: “Desliguem a televisão”. Quase cinquenta anos depois da primeira exibição deste vídeo, nos perguntemos: há como afirmar algo diferente perante o hiperestímulo dos monitores portáteis que levamos em nossas mãos? Em diálogo com este trabalho, há um fim de festa – em tom absurdo – feito em papel de parede por Renato Pera – onde estão as pessoas que deveriam estar aqui celebrando?

Como diria o famoso meme, “essa festa virou um enterro”; em um momento em que pinturas históricas (e milionárias) de Tarsila do Amaral são encontradas sob o esconderijo do estrado de uma cama, tudo nos indica que este centenário ou bicentenário é mais bem representado por uma reunião de escombros. Mais próximos dos absurdos pop que das literalidades catastróficas, não esqueçamos do single homônimo dos Bee Gees, de 1979: “tragédia / quando o sentimento acaba e você não pode continuar / tragédia / quando a manhã chora e você não sabe porque / é difícil aguentar / com ninguém para te amar, você não vai a nenhum lugar”.

Deixemos as independências e as semanas modernistas de lado, e vibremos melancolicamente a partir dos cem anos daqueles quatro segundos catastróficos dados por um tremor de terra. Resta-nos o desejo de que, em alguns meses, este ato celebratório e coletivo do gozo seja esvaziado de ironia e embebido de esperança.

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Vistas da exposição
Obras

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