Gabriel Chaile
Principio de Semejanza
29 Aug – 18 Nov 2023
Abertura
29 Aug, 18h–21h
Carpintaria
Rua Jardim Botânico 971,
Rio de Janeiro
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Principio de Semejanza, a primeira exposição do artista argentino Gabriel Chaile (Tucumán, 1985) no Brasil, acontece na Carpintaria e apresenta novas esculturas construídas entre São Paulo e Rio de Janeiro. Manipulando o barro e a argila, Chaile articula as dimensões rituais de seus materiais em grandes construções figurativas que costuram alusões formais à estatuária clássica – como a escultura cicládica grega – e à manufatura indígena – como os artefatos condorhuasi da região de Tucumán. Neste novo corpo de trabalho, o artista mobiliza uma configuração visual herdada desses povos pré- colombianos, tomando minúsculos talismãs, muitos deles medindo menos de 3cm, e extrapolando a sua escala para grandes dimensões.
As figuras da exposição têm um aspecto feminino, com seios protuberantes e sulcos descrevendo nádegas e genitália, silhuetas opulentas que remetem a personificações arcaicas da fertilidade. Chaile distribui grafismos sobre as faces dessas obras, numa exploração tátil do desenho, como se fossem imensas superfícies de inscrição. Curiosamente acéfalos, esses corpos poderiam também ser vistos como máscaras hipertrofiadas, em que os traços não delimitam mais órgãos, membros ou apêndices, mas rugas e linhas num rosto. Trata-se de uma nova direção na obra do artista, que até aqui produziu figuras cujos contornos bojudos, cilíndricos ou quase esféricos evocavam fornos, potes e chaminés.
O título da exposição é emprestado da fotografia intitulada Principio de Semejanza, tirada pelo artista em 2008, e alude a essa composição aglutinadora de culturas visuais, procedimentos e repertórios, transpostos ao contexto brasileiro, além do processo de encontrar similaridade no dissemelhante. A imagem, parte de um arquivo compilado por ele ao longo dos anos, espécie de registro de seu percurso, mostra duas mulheres de sua família, uma com um cachorro e outra com uma menina no colo, catando piolhos dos pelos e cabelos, respectivamente. A diferença entre uma criança e um cachorro, entre uma neta e uma avó, estabelece uma troca a um só tempo intergeracional e interespecífica. A configuração “em dupla” da fotografia reflete-se na exposição, com as esculturas achatadas ocupando o espaço expositivo em pares, sempre com uma figura maior e uma menor. Individualmente, cada escultura é também um par, formado por cada face de seus volumes. Os dois pares não são oposições binárias, mas metáforas complementares. Remetendo à sua fotografia, essas formas são imagens de cuidado. Em certo sentido, é o cuidado e a transmissão da memória, unidas às propriedades físicas do espaço e das coisas, que criam um lugar.
Na prática do artista, a caixa de ferramentas empregada na construção de um novo corpo de trabalho é sempre dada pelo contexto, pelos recursos e restrições cedidas ou impostas pelo ambiente. Quando produzia em Tucumán, sua cidade natal, em proximidade com os métodos e técnicas dos povos originários, a sua prática envolvia coletar o barro e produzir a argila segundo os saberes locais, em colaboração com aqueles que o transmitiam. Quando se mudou para Lisboa, onde mora desde 2020, precisou reconstruir um contexto comunitário para que pudesse trabalhar: sem os amigos e a família que o cercavam anteriormente, aproximou-se da população latina imigrante, com quem passou a trabalhar, estabelecendo uma espécie de comunidade nômade. No Brasil, ocupou o Galpão e a Carpintaria com seus materiais e equipamentos, transformando o espaço expositivo num contexto provisório, entre uma escavação arqueológica e um ateliê aberto.
Desarraigamento e habitação territorial, como dois pólos de uma relação dinâmica, desdobram-se numa pergunta central: como se constrói e como se transmite a memória? Seus trabalhos não demarcam fronteiras visuais, mas tecem uma gama de elementos heterogêneos sem hierarquizá-los. São ilustrações do que Chaile chama “engenharia da necessidade”, procedimento sintetizado por ele na fórmula lapidar: “trabalhar a partir do que tenho para dar forma ao que me falta”.